quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Tenho um tumor - Sarcoma de Kaposi

Há pouco mais de duas semanas tive o diagnóstico de que uma lesão na sola do meu pé trata-se de um tumor, para ser mais específico, de um sarcoma de kaposi.
Ao receber essa notícia, muita coisa passou pela minha cabeça e eu entrei num funcionamento extremamente racional para conseguir lidar com a situação. Marquei um oncologista no mesmo dia, fiz exames, avisei meu infectologista. 
Na consulta com o oncologista ele me avisou que parecia tratar-se de algo simples e pontual mas que era necessária uma investigação ampla para eliminar a possibilidade de existência de outros focos. O primeiro passo foi um exame clínico  detalhado (eu de cueca e ele me olhando e tocando meu corpo). Em seguida a investigação por meio de exames: ressonâncias, tomografias, colonocospia, endoscopia e exames de sangue. Em menos de uma semana todos os exames haviam sido feitos e mais uma semana depois já estava de volta ao oncologista com os resultados: tudo limpo! Ufa que alívio! Não há em nenhuma outra parte do meu corpo nenhum outro foco de kaposi.
Todavia, um mistério persistia: como esse tumor apareceu? A pergunta se justifica porque o surgimento desse tipo de câncer está associada com dois fatores: a presença do vírus HHV-8 (vírus da herpes tipo 8) - que é muito comum e muito presente na população e uma baixa significativa de imunidade (que em geral ocorre em pacientes soropositivos não tratados, o que não é o meu caso). 
Só para contextualizar, descobri que era soropostivo desde 2003 e apenas em 2012 inicie a terapia com medicação antirretroviral. Nos 9 primeiros anos a escolha do meu infectologista foi pela não medicação pois eu tinha um quadro estável: carga viral baixa e estabilizada e células de defesa (CD4 e CD8) altas e também estáveis. Todavia, em 2012 o protocolo de tratamento do HIV no Brasil mudou e passou-se a recomendar a medicação de todos os infectados, não fosse isso, naquele ano eu estava passando por uma série de infecções de repetição - sinusites - que me levaram a esgotar todas as classes de antibióticos orais em um ano. Embora meus exames continuassem estáveis e satisfatórios, a ocorrência dessas infecções com tanta frequência (foram 6 no mesmo ano) indicavam que algo não ia bem com meu sistema imunológico. Dessa forma, iniciei no final daquele ano o uso de medicação antirretroviral. 
O início não foi fácil pois meu esquema envolvia o uso do Efavirenz junto com outras duas drogas (clique aqui para ler o post que escrevi sobre o Efavirenz), que não durou muito tempo por causa dos severos efeitos colaterais. Passei então para um segundo esquema, com o qual continuo até hoje, usando Nevirapina, Lamivudina e Tenofovir. Me dei muito bem com essa nova medicação, minha carga viral encontra-se indetectável e minhas células de defesa em nível bem alto desde então.
Por tudo isso, o diagnóstico de kaposi surpreendeu a mim e a todos os médicos que me atenderam. Meu médico chegou a cogitar a troca do esquema pois o kaposi é uma doença oportunista e sua ocorrência necessariamente indicaria uma falha terapêutica. Meu caso foi levado para ser debatido com infectologistas e violonistas em um congresso sobre Aids que estava ocorrendo justo na semana em que tive consulta. Tudo estava obscuro para nós até que hoje tive uma epifania sobre o que pode ter acontecido.
Todas as vezes que me perguntavam há quanto tempo eu possuía aquela lesão eu relatava que eu a havia notado há cerca de 4 anos, ou seja, desde 2012 mais ou menos. Lembro-me inclusive de associar o aparecimento dos primeiros sintomas a uma viagem que fiz em julho daquele ano. No início, cheguei a pensar que pudesse se tratar de alguma micose que peguei durante a viagem. 
Como falei no início deste texto, o início da terapia antirretroviral (TARV) foi no final de 2012 (em setembro ou outubro), ou seja, quando iniciei a TARV eu já possuía a lesão do kaposi. O que, na verdade, parece ter acontecido é que eu tive sim um déficit imunitário e o tumor encontrou ocasião para aparecer - analisando meus exames desde 2003, identifiquei que o período de menor relação CD4/CD8 se concentra entre junho de 2011 e maio de 2012 que é o período que antecede o início da TARV (cerca de 0,50, com menor índice histórico de 0,45 em Maio de 2012). 
Com o início da medicação, possivelmente ele se estabilizou e não progrediu no meu corpo. Os exames demonstram que a partir de Julho de 2013 até hoje (Agosto/2016) é o período com maior relação CD4/CD8 que já tive em toda minha história (cerca de 1,00). Sei que ter câncer não é uma coisa boa e não estou feliz por ter esse tumor, mas essa constatação de que, ao que tudo indica, iniciei o uso do coquetel logo que a lesão de kaposi apareceu me deixou emocionado pois, muito provavelmente, se eu não tivesse começado a tomar remédio, outras lesões teriam aparecido, talvez em lugares mais difíceis de serem tratados enfim... Me senti agraciado e cuidado por algo que eu nem sei nominar ao certo. Não, eu não acredito em coincidências. Creio que tudo acontece por uma razão e que tudo pode gerar oportunidades de crescimento e de desenvolvimento.
O tratamento que me foi sugerido no momento é: Radioterapia de baixa frequência localizada na área da lesão para evitar progresso do tumor e, talvez, até eliminá-lo. A possibilidade de troca do coquetel foi descartada após conferência de meu infectologista com outros profissionais da área. Mas o tratamento é outra história... depois que iniciar eu volto aqui para contar como foi.

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